Ainda há esperança para os vestibulandos. Por mais tecnológica e moderna que seja a nova versão do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), é possível lucrar chutando questões que não se sabe a resposta.
O sofisticado modelo estatístico usado pelo Ministério da Educação (MEC) na prova deste ano fez surgir especulações e dúvidas sobre o que fazer para se sair bem. Mas o criador do novo Enem, Reynaldo Fernandes, presidente do Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacionais (Inep), garante que ainda é melhor escolher uma das alternativas do que deixar a questão em branco.
A afirmação parece óbvia para quem está acostumado ao modelo clássico de vestibulares, em que o número de questões corretas determina a nota. No novo Enem, será levado em conta também quais delas foram respondidas certo ou errado. Esse padrão de respostas do candidato determina em que ponto da escala de notas ele está.
"A nota é um modelo estatístico. Ele (o sistema) não vai pegar o número de questões, é uma outra lógica. Uma pessoa que erra itens fáceis e acerta uns difíceis teve sorte. Não é provável que ela esteja no ponto alto da escala", diz. Por isso, uma questão acertada fora do padrão – um chute – vale menos. "Mas se ele tivesse errado também não ia melhorar a vida dele. Seria até pior."
O Enem será nos dias 3 e 4 de outubro e terá 180 questões. Com a mudança, 24 universidades federais usarão a prova como seu único vestibular. Segundo Reynaldo, os participantes não receberão uma média da prova e sim uma nota para cada uma das quatro áreas: Linguagens e Códigos, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas. "Não existe mais a informação: ‘Tirei tantos no Enem’", diz. O exame também será dividido em três blocos, de perguntas fáceis, médias e difíceis. Leia a seguir trechos da entrevista.
Com essa nova tecnologia de prova, como o aluno vai saber a nota que ele tirou ao sair do exame?
Ele não vai saber. Sabe o que ele acertou e o que errou. Sabe o gabarito da prova, mas não vai saber a nota porque ela não é a proporção de acertos.
Quando ele vai saber?
Depois de dois meses. Todo o processo de seleção das universidades só começa depois de divulgado o resultado final. O prazo para divulgação da parte objetiva é 4 de dezembro, a redação será em janeiro. Isso vai para a casa dos alunos e vai estar na internet.
Como a universidade vai usar essa nota para seleção?
São quatro provas. Eu vou dar a escala e a universidade que define o limite para cada curso. É como o Toefl (exame dos EUA para avaliação de inglês). A escala vai de 0 a 660. Então, para ser aceito, a universidade define quantos pontos ela acha que deve ser o mínimo.
Elas estão preparadas para isso?
A gente dá uma ideia para elas da média dos alunos no pré-teste (exame que funcionou como um teste do Enem e foi feito por alunos do ensino médio). Com o tempo, elas vão aprendendo. Mas escolas muito concorridas, como as federais, vão pegar os melhores. Não vai ter efeito nota de corte. Na verdade, ela vai ver quantas vagas ela tem. Por exemplo, tenho cem vagas e vejo quais os cem melhores classificados. O Inep vai oferecer cinco notas, uma de cada área e a redação. A universidade vai definir o peso de cada uma. Na Engenharia, vai dar mais peso para matemática. Com base nisso, o sistema vai calcular uma nota geral para aquele curso. As universidades estão sendo treinadas agora para usar o sistema. Mas eu acho que no começo eles vão dar peso igual para as áreas. Mas depois vão aprendendo e vão mudando
O aluno vai receber sua média geral da prova?
Não vai ter média geral, só a nota de cada uma das áreas. Serão quatro provas: linguagens, códigos e suas tecnologias; matemática; ciências da natureza e suas tecnologias e ciências humanas e suas tecnologias. As escalas não são comparáveis. Não existe mais a informação: "Tirei tantos no Enem". Acho que vai ter necessidade da média só na divulgação por escola do Enem, mas não pensei ainda como fazer. O aluno, se quiser, soma e divide por quatro.
O aluno vai poder mudar a escolha do curso depois de ter sua nota?
Sim, ele pode fazer opções depois de fazer a prova. A instituição quer as pessoas com notas maiores. Você tem de simular um leilão. Entra no sistema e dá cinco opções; no dia seguinte, olha suas chances, vê que está em 180º e tem 100 vagas. Aí, troca a ordem, põe outras. Isso pode ser feito nas universidades que estão usando o Enem como exame único.
Como é a escala do Enem?
Estamos definindo a escala. Deve ser de 0 a 100 ou 0 a 1000. A nota de TRI (Teoria de Resposta ao Item, metodologia usada na prova) é aberta. Vai de menos infinito a mais infinito. Porque ela não tem quantidade, ela só tem ordenação.
E o mecanismo contra chute?
Não existe um sistema mágico de identificar as pessoas que chutaram. Mas ele olha padrões prováveis e improváveis. Então, se uma pessoa acerta todos os itens fáceis, médios e acerta um dos difíceis, é bem provável que ela saiba essa, não tenha chutado. Se ela erra os fáceis, erra quase todos os médios e acerta um difícil, ele (o sistema) fala: "Esse cara teve sorte aqui."
A questão é considerada errada?
Não, mas vai ter um peso menor. Há uma escala de notas e olha-se em qual ponto é mais provável que o aluno esteja. A nota é um modelo estatístico. Não vai pegar o número de questões, é uma outra lógica.
Mas esse ponto na escala tem uma representação numérica.
Sim, a representação é a nota dele, mas se ele tivesse errado também não ia melhorar a vida dele. Ia ser até pior. Então não é verdade que não adianta chutar, que é melhor deixar em branco. Mas há um mecanismo de identificar padrões de prova. Qual ponto da escala de 0 a 100 é mais provável que você esteja com essa conduta de respostas? É nesse ponto "x", esta é sua nota.
Com a mudança deste ano, foram adicionados conteúdos a uma prova que só cobrava competências e habilidades?
Não tem prova sem conteúdo. A questão é como tratar os conteúdos. Eu posso aferir se você tem conhecimento. Quem descobriu o Brasil? Pedro Álvares Cabral. Mas compreensão não tem nada a ver com certo e errado. Outra coisa é gerar o que chamamos de habilidade, capacidade de usar aquele conhecimento para realizar tarefas. Não quero saber o que você está aprendendo na escola e sim como você usa o que aprendeu na escola para a vida. Isso é o Pisa (exame internacional feito pela OCDE) e é a mudança radical em exames. Já existia conteúdo no Enem. Mas as habilidades eram muito voltadas para língua, interpretação de texto e escrita e algumas de matemática, mais simples. Estamos aumentando um pouco o grau de dificuldade nas provas e incluindo humanidades e ciências. Não caía praticamente física no Enem. Era uma prova de simples para média. E agora teremos questões mais difíceis.
O Enem então está mais difícil?
Teremos um terço das questões mais simples, um terço médias e um terço difíceis. A gente espera que as questões fáceis o pessoal de Medicina faça muito rápido. Os blocos são identificados. Primeiro vêm as mais fáceis, depois médias e depois difíceis. E as provas vêm separadas por área.
Está pronta a prova?
Está. Eu não vi. A prova final, só umas quatro pessoas viram.
O ministro Fernando Haddad viu a prova?
O ministro não pediu para ver e eu não deixaria. A prova é tecnicamente construída. Dou muita entrevista, por isso não quero ver. Vou ver só no dia. Os montadores fazem a prova de acordo com as habilidades e as dificuldades. É muito técnica a montagem da prova.
Você já disse que o número de questões ainda é alto. Pensa em diminuir?
Vai depender muito da capacidade de discriminar. Tenho de discriminar pessoas muito diferentes. Por isso, quanto mais, melhor. Por exemplo, estou fazendo a prova de salto em altura: eu tenho de pôr sarrafo em várias alturas para discriminar os meninos iniciantes e os melhores atletas. Evidente que, se eu tivesse uma população mais homogênea, não precisava. Para o cara que vai prestar Engenharia, Medicina, não precisava das questões fáceis. Mas aí não consigo discriminar os de EJA (antigo supletivo). Mas acho que vamos discriminar melhor que qualquer vestibular. É impressionante como os nossos vestibulares, tirando a parte de conteúdo, são muito tradicionais na parte técnica. Eles são iguais ao que eram nos anos 70, uma prova clássica. Em alguns que visitei, que prefiro nem falar, as pessoas desconheciam essas tecnologias. O business deles é o vestibular e eles não conhecem metodologias modernas.
Como vê a possibilidade de a USP aderir ao Enem?
É importante, a entrada dela no sistema é um peso grande. Com uma grande adesão, começa a ficar estranho não aderir. Ninguém é obrigado a usar o SAT nos Estados Unidos, mas por que não usá-lo? A Unifesp vai adotar e vai receber a nata dos alunos do Brasil inteiro. Para a USP seria ótimo. Penso que toda grande universidade do mundo quer trazer os melhores alunos. As principais dos EUA vão buscar gente fora do país. Se tem um sistema nacional, é um ganho. Mas essas universidades têm estrutura de vestibular muito sólida, muito antigas.
Como vai ser a identificação do aluno na prova?
Tem o nome, todos eles têm o CPF, que foi fundamental para a gente, é o único numero nacional que permite identificar pessoas. Preciso que cada pessoa esteja ligada a um único número. Mas teremos o processo de caligrafia. Vai ter um campo só para escrever uma frase e, caso necessário, posso usá-lo. Eu posso chamá-lo depois, para checar a caligrafia.
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